Uma peculiar decisão liderada por Ives Gandra Filho na Justiça do Trabalho marcou os debates no meio jurídico nessa semana. O ministro ultraconservador abriu a divergência até a vitória do entendimento de considerar abusiva a greve contra a privatização por trabalhadores e trabalhadoras da Eletrobrás, pelo argumento de que a greve nesse contexto seria “política” e, por isso, ilegal.
Com a decisão, a Justiça pode descontar o salário dos grevistas, bem como servir de precedente a juízes e juízas que pensem de forma similar a Ives. O ministro foi acompanhado pelos ministros Renato Lacerda Paiva, Aloysio Corrêa da Veiga e Dora Maria da Costa. Leia mais aqui:
A decisão contraria frontalmente a própria lei de greve, que expressamente afirma não ser abusiva a parada motivada por situação que modifique substancialmente a relação de trabalho, como é o caso de uma privatização, em que se muda o regime jurídico da relação entre empregado e empregador, bem como se altera a própria figura do empregador, entre outras bruscas mudanças.
Art. 14 Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho.
Parágrafo único. Na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa não constitui abuso do exercício do direito de greve a paralisação que:
I – tenha por objetivo exigir o cumprimento de cláusula ou condição;
II – seja motivada pela superveniência de fatos novo ou acontecimento imprevisto que modifique substancialmente a relação de trabalho.”
A repercussão da decisão tomou a semana. À editoria, a juíza do trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região Valdete Souto Severo explica: “se há ameaça de privatização, isso implica ameaça concreta de perda de postos de trabalho e, portanto, de perda do mais elementar direito social: o de estar empregado e conseguir, com isso, manter o próprio sustento”.
Sobre o argumento de que seria ilegal pelo fato de ser “política”, a juíza responde: “pela ordem constitucional vigente, é perfeitamente possível greve política, pois é o grupo de trabalhadores que deflagra o movimento que deve definir os interesses que por meio desse movimento quer defender. Mas, mesmo que fosse vedada a greve política, trata-se, segundo a notícia veiculada na mídia, de greve contra a privatização e, portanto, de greve pela manutenção das condições de trabalho e do próprio posto de trabalho”.
Nas redes sociais, o professor de ciência política da Universidade de Brasília Luis Felipe Miguel contestou a argumentação: “como uma privatização, que aponta para demissões, redução de salários, deterioração das condições de trabalho e perda de autonomia laboral, não afeta os interesses estritamente “econômicos” dos trabalhadores?”.
Na data advogados trabalhistas já haviam se revoltado. “Greve lícita, somente a do capital que procura refugio nos países com piores direitos para os trabalhadores”, ironizou o membro da Lado e advogado José Eymard Loguercio.
À editoria, Ricardo Mendonça, advogado trabalhista e membro da Lado, afirmou: “além da evidente inversão ideológica praticada por Ives, que nega aos trabalhadores o direito fundamental de fazer política, judicializando-a, o julgamento reafirma a certeza de que parte do Judiciário segue firme no propósito de aniquilar a democracia, proibir a ocupação do espaço público, a defesa do patrimônio público, do emprego e da renda de quem trabalha”.
Fonte: Carta Capital
Brenno Tardelli
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