As operações do Bope no Morro do Urubu, em Pilares, na Zona Norte do Rio, sempre fascinaram o menino Gabriel Silva de Oliveira. O garoto acompanhava atento e curioso a movimentação dos policiais na comunidade, tendo crescido almejando um dia se tornar um deles. Bem perto de concretizar o sonho de criança, o rapaz de 31 anos conta que percorreu um longo e tortuoso caminho: trabalhou numa loja de jogos em um shopping, foi gari da Comlurb, entrou para a Polícia Militar e, só no fim do ano passado, foi aprovado no curso da unidade de elite da PM, onde aguarda só a disponibilidade de vaga para ser convocado.
— É o melhor batalhão do Brasil. A principal coisa que eu queria era ter essa realização profissional. Considero o Bope a excelência do serviço de segurança pública. É o topo da profissão. E tenho grande vontade de operar em situações como o recente episódio do sequestro na Tijuca, em que o Bope pôde intervir para salvar a vítima (uma mulher que era feita refém pelo namorado). Teve também o caso em comunidades como a do São Carlos (algumas pessoas foram feitas reféns durante a fuga de bandidos numa guerra do tráfico local), quando (o Bope) interviu trazendo um pouco de paz para aquelas pessoas. Quero também ajudar nesse trabalho. A polícia não vai resolver sozinha, mas a gente consegue amenizar a situação da violência e minimizar os efeitos negativos dela para a população. Pretendo fazer parte disso. Quero ter esse orgulho — afirma o rapaz.
No curso, que durou 45 dias, ele aprendeu teoria e prática de operações especiais e ações táticas. Gabriel foi um dos 22 provados entre os 50 que ingressaram. Enquanto aguarda ser chamado para integrar a Tropa de Elite da PM, o soldado Oliveira, como é conhecido na corporação, dá expediente na UPP da Rocinha, na Zona Sul do Rio, onde é lotado há quatro anos.
Gabriel realizou o sonho de passar para o Bope, a Tropa de Elite da PM do RioGabriel realizou o sonho de passar para o Bope, a Tropa de Elite da PM do Rio Foto: Arquivo pessoal
O menino do Morro do Urubu, no começo da vida adulta, viu a casa ser demolida por estar em área de risco. As famílias foram removidas para outros bairros, como Realengo, pra onde foram os parentes do soldado. Gabriel, no entanto, continua em Pilares, mas fora da comunidade, onde mora com a noiva, sua principal incentivadora.
Mas nem sempre foi assim. Foi dentro de casa, quando ainda morava com os pais, que ele enfrentou as primeiras resistências à vontade de virar policial. Era puro receio de uma família zelosa. Mas o desejo de realizar o sonho de criança falou mais alto, e, sem comunicá-los, fez o concurso para a PM em 2014.
— Foi um susto quando falei que tinha passado. Acho que no fundo eles já sabiam, pois respeitaram a minha decisão e hoje me apoiam — diz Gabariel.
A palavra acomodação nunca fez parte do vocabulário do rapaz. Na loja de games, um dos primeiros empregos, começou como atendente, passou a conferente, supervisor e, por fim, gerente. Mas o rapaz ainda não estava satisfeito. Em busca da estabilidade profissional e financeira, passou a estudar para concursos públicos. Em 2009, foi aprovado no da Comlurb. Foram quase seis anos na gerência de Madureira, onde passou por varrição de ruas, roçadura de grama e coleta de entulhos. Ele lembra com orgulho desse período e diz que o trabalho na companhia que lhe garantiu o condicionamento físico tão importante na nova missão:
— Sempre tive um grande carinho pela Comlurb. Participo das confraternizações até hoje. Foi um momento de crescimento e transição na minha vida.
Desde criança Gabriel sonhava ser PMDesde criança Gabriel sonhava ser PM Foto: Fabio Rossi
A primeira grande emoção da vida de Gabriel foi quando ele entrou, como aluno, no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (Cefap), em Sulacap. Ele chegou como Gabriel e saiu como soldado Oliveira. Era o início da realização do sonho de criança.
O jovem idealista e de voz mansa defende uma polícia de proximidade, que é aliada da população. Ao falar de seu maior desafio até hoje na Rocinha, uma favela gigantesca com mais de cem mil moradores, ele recorre não a um confronto com bandidos, mas a um episódio recente, em que ajudou a salvar vidas de uma família, incluindo dois idosos, que estavam presos numa casa em chamas. Sua guarnição, que estava próxima do local, chegou antes dos bombeiros e fez o resgate das vítimas.
Já os momentos de maior tensão foram vividos em 2017, período em que a comunidade enfrentou um conflito pelo controle de drogas, que resultou numa intervenção militar:
— Mesmo assim a gente não desanima. Já sabia dos perigos e os riscos da profissão. Nessas horas, a vocação fala mais alta e não nos deixa desanimar.
E os sonhos continuam. Além de casar e ter filhos, Gabriel quer concluir a faculdade de Direito, que trancou no 5º período por não conseguir mais arcar com as pesadas mensalidades. O garoto que fez ensino fundamental e médio em escola pública chegou a cursar até o 4º período de Administração na Universidade Santa Úrsula, antes de migrar para o Direito.
Na época tinha bolsa integral, mas perdeu o benefício quando a universidade fechou as portas. Como para o soldado Oliveira o céu é o limite, quem pen sa que ele vai parar por aí quando ingressar no Bope está enganado:
— Dentro do Bope tem várias especializações, como resgate de reféns, snipers e outras coisas que ajudam o policial a se diferenciar.
13/09/20 05:0
Fabio Rossi
https://extra.globo.com/
Geraldo Ribeiro
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