CGTP-Intersindical faz 50 anos. A central que nasceu do casamento mais improvável

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O namoro começou nas eleições de 1969. E consumou-se em 1970. Com os socialistas fora do movimento sindical, duas forças aparentemente antagónicas formaram há 50 anos a Intersindical

 

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, destaca a importância e o percurso da CGTP que assinala

CGTP

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O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa destaca a importância da CGTP nos 50 anos da intersindical

Comunistas de um lado. Católicos do outro. Foi deste casamento hoje altamente improvável que nasceu, em 1 de outubro de 1970 – há portanto 50 anos – aquela que ainda é, hoje, a maior e mais influente central sindical portuguesa, a CGTP-Intersindical.

 

Um casamento que, de facto, tinha tido um namoro inicial um ano antes, em 1969, nas listas da CDE (Comissão Democrática Eleitoral) que foram a votos nas primeiras legislativas pós-Salazar. Essas eleições expuseram uma fratura grave na oposição – de um lado os socialistas de Mário Soares, na CEUD (Comissão Eleitoral de Unidade Democrática), e do outro comunistas e católicos juntos na CDE.

 

Uma fratura que teria reflexos um ano depois na formação da Intersindical, uma central sindical formada sem os socialistas da CEUD, dos quais viria a nascer em 1973 o PS, um partido formado a partir de advogados oposicionistas e portanto praticamente destituído de raízes trabalhistas (uma característica muito sui generis do PS português no contexto dos seus partidos congéneres europeus, começando logo pelo do país vizinho, o PSOE, sigla, precisamente, de Partido Socialista Operário Espanhol)

 

Na verdade, no momento fundador, a CGTP não se chamava assim – chamava-se apenas Intersindical. A designação CGTP (Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses) só aparece em 1977, no chamado “Congresso de Todos os Sindicatos”. É também nesse ano que a central elege pela primeira um líder formal, Armando Teixeira da Silva, operário gráfico, presidente da direção do Sindicato dos Gráficos do Porto, Bragança e Vila Real a partir de 1974.

 

Armando Teixeira da Silva é reconhecido com o primeiro dirigente que deteve oficialmente o título de coordenador da central (de 1977 a 1986). É essa a certeza da verdade oficial da CGTP-In. Há no entanto notícias que dizem que, antes, a central teria sido liderada por Francisco Canais Rocha, um operário que chegou a historiador (morreu em 2014, com 84 anos).

 

 

Canais Rocha era militante do PCP e em 1968 foi preso pela PIDE (pela segunda vez), ficando em Peniche até 1973, quando foi libertado. Regressou às lides sindicais e terá sido nessa altura que se afirmou como líder. Mas, escassos meses depois do 25 de Abril de 1974, foi revelado que teria falado na PIDE. O PCP expulsou-o. E acabou aí a sua atividade no topo da hierarquia da central.

 

O momento que a central define como passível de ser celebrado como aniversário, 1 de outubro, não é, na verdade, o momento da primeira reunião. É antes a data da carta, assinada por quatro sindicatos – Lanifícios, Metalúrgicos, Bancários do Sul e Ilhas e Caixeiros – que convoca a primeira reunião intersindical. Esta decorreria no dia 11 do mesmo mês, com 14 estruturas sindicais, na sede dos Bancários do Sul e Ilhas, na Rua de S. José, em Lisboa.

 

Carta convocatória, datada de 1 de outubro de 1970, da primeira reunião intersindical, que seria no dia

 

Um dos que assinaram essa convocatória foi Carlos Neves Alves, operário na TAP e dirigente dos Metalúrgicos, ligado aos católicos progressistas. Hoje com 84 anos, Neves Alves conta que o motivo principal da convocatória estava relacionado com a representação portuguesa na conferência anual da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Os sindicatos disputavam com o governo o direito de escolher essa representação.

 

Contudo, há mesmo entre os fundadores que ainda sobrevivem quem diga que a agenda foi muito mais vasta. É o caso de Daniel Cabrita, nessa altura na direção dos Bancários do Sul e Ilhas, então e hoje militante do PCP. A questão da OIT existiu de facto – confirma. Mas não foi dominante e só apareceria mais tarde. O que interessava na ação reivindicativa primordial eram os direitos de reunião e as questões da contratação coletiva. Recorde-se: o sindicalismo era fortemente controlado pelo governo. Um dirigente sindical só o podia ser se fosse homologado pelo governo. E, é claro, de direito à greve não havia a mais pequena sombra.

 

 

No momento fundador, uma das vozes mais importantes foi a de um católico, Manuel Lopes (1943-1999), do Sindicato dos Lanifícios, durante anos e anos número dois da central. Foi ele a voz da central na maior manifestação de sempre em Portugal, a do 1.º de Maio de 1974, no Estádio da FNAT, em Lisboa, que passou então a chamar-se Estádio 1.º de Maio. A manifestação não foi apenas histórica por ter sido a primeira grande manifestação organizada depois da Revolução. Foi também a primeira e última vez em que Álvaro Cunhal e Mário Soares pisaram o mesmo palco, discursando ambos. Algo que nunca mais se repetiu.

 

Álvaro Cunhal e Mário Soares na manifestação do 1.º de Maio de 1974 em Lisboa, promovida pela Intersindical.

 

Hoje, diz Daniel Cabrita, a CGTP mantém-se “imprescindível na sociedade”, continuando o seu papel “importantíssimo” na “dignificação do trabalho e na defesa dos trabalhadores”. Sendo certo que se “confronta com dificuldades”, a verdade também, segundo este fundador da central, é que essas dificuldades não são exclusivas de Portugal. E mantém-se, claramente, como a mais influente central sindical, porque “a UGT nasceu de um acordo partidário entre o PS e o PSD e não a partir dos sindicatos como a CGTP – e estas coisas marcam e ficam”.

 

A CGTP é composta por 22 uniões distritais, dez federações e 125 sindicatos, com um número total de 556 363 associados – mais 5863 sócios do que há quatro anos.

 

João Pedro Henriques

30 Setembro 2020 — 23:16

 

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