As medidas laborais propostas por Biden tem um forte caráter ideológico, mas há um ponto novo, e distintivo: É a “compliance laboral”.
Já muito foi escrito sobre a vitória de Joe Biden / Kamala Harris. No essencial, tem-se sublinhado a vitória da moderação sobre o radicalismo; do caráter pessoal sobre a falta do mesmo; da verdade sobre a mentira; da normalização institucional sobre o caos governativo; da pacificação da sociedade sobre o clima belicista; da tolerância sobre o racismo; e do multilateralismo sobre o isolacionismo internacional de Donald J. Trump.
Mas pouco ainda foi escrito sobre a política de emprego que Joe Biden vem prometendo. E o que promete, não é pouco – é um repristinar das políticas laborais de Franklin Delano Roosevelt e do National Labor Relations Act, a mais importante lei laboral americana (de 1935), segundo a qual a negociação coletiva deve ser encorajada e promovida.
Eis o que Biden promete em matéria laboral:
Reforço do sindicalismo, a quem se deve a luta por melhores condições de trabalho e a criação da classe média americana, que é, segundo Biden, o “backbone” da economia americana. Defende, por isso, o aumento do número de trabalhadores sindicalizados (10,5% da força de trabalho em 2020, que confronta com 35% em 1950);
Promoção da negociação coletiva, quer no setor privado, quer no setor público (de onde tem estado afastada), incluindo até nas relações de franchising e para os trabalhadores independentes da “gig economy”;
A negociação coletiva deve apostar na partilha de lucros entre os acionistas, os gestores e os trabalhadores – “when you work hard, you share in the prosperity your work created”;
Reforço da agenda do trabalho decente, que assegura que os trabalhadores são tratados de forma digna, devendo receber os salários, os benefícios e a proteção que merecem;
Aumento do salário mínimo nacional para 15U$USD/h em todos os estados;
Responsabilização individual dos gestores que violem leis laborais, designadamente no caso da contratação de falsos trabalhadores independentes;
Criação de uma lei federal que adote a presunção de existência de contrato de trabalho para os que trabalham nas plataformas digitais, à semelhança da lei californiana “ABC”, de forma a terminar com o que apelida de “epidemic misclassification”;
Reforço das agências de fiscalização em matéria de emprego – Department of Labor e Equal Employment Opportunity Comission – através da contratação de mais inspetores;
Defesa do direito à greve, incluindo greves intermitentes e mesmo “boicotes” secundários, que são formas de luta, não contra o empregador, mas contra empresas que são clientes do empregador e que “esmagam” a respetiva política de preços, fazendo-o baixar salários;
Expansão da defesa dos direitos laborais dos trabalhadores agrários e dos trabalhadores domésticos, através da reforma do Fairness for Farmworkers Act e do Domestic Workers’ Bill of Rights.
As medidas acima enunciadas têm um forte cunho ideológico e assentam na atuação do Estado, mesmo contra a vontade das empresas. A sua aprovação e eficácia, consequentemente, ficam por provar. Como se costuma dizer: ver para crer.
Mas há um ponto distintivo, para além dos acima enunciados. Trata-se da aposta na “compliance laboral”.
A compliance traduz o cumprimento da lei por parte das empresas, bem como a observância de boas práticas empresariais. Envolve questões de transparência, não discriminação, privacidade, concorrência leal, questões éticas, ambientais e boas práticas laborais. Ora, o que o novo Presidente eleito parece querer fazer, é convidar as empresas a cumprirem as leis laborais e a irem para além destas, fazendo depender a celebração de contratos públicos e a atribuição de fundos estatais à adoção de boas práticas empresariais.
Parece que a famosa “corporate social responsability” verá, finalmente, uma concretização legal com significado, a propósito da “compliance laboral”. E na medida em que venha a ser institucionalizada nos Estado Unidos, já se sabe: a compliance vem para ficar.
A ser assim, o Direito do Trabalho volta a mostrar o seu pioneirismo em temas sociais.
Guilherme Dray
5:45
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